Ao reagir às pressões do STF, a Lava Jato manda para a cadeia o
ex-presidente Michel Temer e o ex-ministro Moreira Franco, mas pode ter
incorrido num erro crasso que joga contra o destino da própria operação: as
prisões midiáticas carentes de provas

EMBARQUE
PARA O RIO No início da tarde, Temer embarcou para o Rio de Janeiro, onde
ficará preso preventivamente (Crédito: HO / BANDTV / AFP; Felipe Ralli /
Estadão Conteúdo)
Wilson Lima e Rudolfo Lago / Isto É
As expressões
“Estado Policial” e “jacobinismo de toga” frequentaram, nos últimos anos, o
vocabulário dos maiores críticos da Operação Lava Jato. Eles, na maioria das
vezes, não tinham razão. Mas ao mudar, na última semana, o padrão das prisões –
antes assentadas em provas – para a perigosa escala da espetacularização e da
tolerância zero, a própria Lava Jato começa a fornecer combustível aos seus
detratores e àqueles interessados em implodir com o necessário combate à
corrupção no País. O viés messiânico da Lava Jato nunca esteve tão exposto como
agora. Senão vejamos.

MAIS
UM Moreira Franco é o quinto ex-governador do Rio de Janeiro a ser
preso. Um recorde sem precedentes na política (Crédito:Divulgação)
Ao mandar para trás
das grades na quinta-feira 21 o ex-presidente Michel Temer, o ex-ministro
Moreira Franco e o assessor Coronel Lima, apontado como o operador financeiro
na “organização criminosa”, o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal
do Rio de Janeiro, simplesmente esqueceu-se do essencial: fundamentar a prisão.
Reza a lei, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal, que para ser
preso, Temer & cia teriam de: ou estar condenados, ou criando embaraços às
investigações ou em delinquência continuada – o que não se aplica ao caso. O
Ministério Público Federal argumenta, em seu favor, que o ex-presidente Temer
montou um sistema de contra-inteligência dentro do próprio MP para acompanhar
as investigações que pesam sobre ele, apagar eventuais rastros e coibir o
surgimento de testemunhas capazes de encalacrá-lo ainda mais. Ocorre que, em
sua peça de 46 páginas, Bretas sequer menciona esses elementos. Há que se
distinguir as acusações dos procuradores das provas necessárias ao pedido de
prisão. É o que marca, por exemplo, a diferença entre as detenções de Temer e
do ex-presidente Lula. Contra o petista há uma fartura de provas, enquanto que
contra o ex-vice de Dilma, ao menos até o momento, elas inexistem. “Não há
qualquer justificativa concreta a específica para a prisão de Temer. Só
generalidades: a decisão não está devidamente motivada. Indica o artigo da lei,
mas não diz a razão pela qual esse artigo deve ser aplicado ao caso concreto.
Fica clara a politização da Justiça”, afirmou um jurista ouvido por ISTOÉ.
Filósofo ateniense
do período clássico da Grécia Antiga, Sócrates aconselhava os magistrados a
ouvir cortesmente, responder sabiamente, considerar sobriamente e decidir
imparcialmente. Não é o que parece fazer o juiz Marcelo Bretas. Na manhã do dia
14 de março, cinco horas antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) começar a
definir que crimes como corrupção e lavagem de dinheiro, quando relacionados a
ilícitos de caixa dois, poderiam ser processados na Justiça Eleitoral e não na
Federal, Bretas escreveu em sua rede social: “Há uma batalha em curso, uma
disputa entre o certo e o errado, o justo e o injusto. Assim é a vida, em todos
os tempos… Mesmo em momentos de muita dificuldade convém manter a disposição
para seguir em frente”. Em seguida, ele postou uma card de autoajuda extraído
do site “Frases do Bem”: “Antes de desistir de tudo, lembre-se: as estrelas
destacam-se no escuro”.
Essas e outras
postagens de Bretas ao longo dos últimos dias demonstram claros recados àqueles
que, na avaliação do juiz, atuavam para barrar a Operação Lava Jato e o combate
à corrupção. Ao longo da semana, ele demonstrou que preparava uma retaliação.
“O movimento que vivemos recomenda serenidade, o que não significa baixar a
cabeça diante das dificuldades”, escreveu ele no dia 18 de março. Na
quinta-feira 21, veio o pedido de prisão cautelar de Temer e de seu ex-ministro
das Minas e Energia Moreira Franco, entre outras pessoas. Somadas as postagens
à prisão, Bretas parecia dizer claramente: “Não mexam com a Lava Jato, que
haverá reação”. O perigo está no risco de Bretas ter agido mais com o fígado e
menos com a cabeça ao articular o contra-ataque. Embora haja na denúncia de
Temer pesadas acusações e indícios de corrupção, a peça produzida por Bretas
não indica nenhuma evidência que justificasse a prisão cautelar. Temer não é
mais presidente. É hoje um cidadão comum. Assim como Moreira e os demais
envolvidos. Estava em sua casa em São Paulo, em endereço conhecido.
Aparentemente, não
pretendia fugir nem se ausentar do país. Não há nada que indique que Temer
atuava para, de alguma forma, atrapalhar as investigações que o envolvem.
“Abuso
de autoridade”
Após a operação,
políticos como o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que declarou-se sempre
contra a participação de seu partido no governo Temer – não sendo, assim,
aliado dele – manifestaram-se sobre o que consideram um “abuso de autoridade”.
Uma linha de atuação que, se prevalecer, pode transformar a resposta da Lava
Jato em um tiro pela culatra: ao invés de fortalecer o combate à corrupção,
está se dando força justamente aos argumentos daqueles que, no Supremo Tribunal
Federal e no Congresso, pensam que é hora de por um freio nas ações do
Ministério Público e do Judiciário. O combate aos ilícitos é fundamental. Por
isso mesmo, quem trabalha nesse sentido precisa manter a serenidade e evitar
que tudo se transforme em uma guerra entre instituições. Bretas comporta-se
como quem caminha na direção contrária.
Há mais de uma
coincidência apontando no sentido de que a prisão de Temer tenha sido uma
reação à decisão do STF. A ação cautelar do Ministério Público do Rio de
Janeiro foi pedida um dia depois da polêmica deliberação do Supremo de enviar à
Justiça Eleitoral os casos de corrupção, mais precisamente às 22h do dia 15 de
março. Recomendava a prisão preventiva do ex-presidente Michel Temer, do
coronel reformado da Polícia Militar João Baptista Lima Filho (o coronel Lima),
de sua esposa Maria Rita Fratezi, dos empresários Carlos Alberto Costa, Carlos
Alberto Costa Filho, Vanderlei de Natale e Carlos Alberto Montenegro Gallo,
além do ex-ministro Moreira Franco. Era a deixa perfeita para o juiz federal
Marcelo Bretas agir.
Há uma série de
coincidências que apontam para uma reação da Lava Jato ao STF


ACUSAÇÃO Procuradores
da República e delegados da PF do Rio de Janeiro acusam o ex-presidente Michel
Temer de ser chefe de organização criminosa que desviou dinheiro de Angra 3
(Crédito: Jose Lucena/Futura Press/Folhapress)
A própria classe
política agiu com uma cautela incomum nestes dias de guerra nas redes sociais.
Além de Tasso Jereissati, mesmo líderes de partidos de esquerda, sempre
contrários a Temer, saíram em sua defesa quanto à forma da prisão. As únicas
comemorações vieram do PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro. Em nota, até
o PT reclamou: “Estaremos diante de mais um dos espetáculos pirotécnicos que a
Lava Jato pratica sistematicamente, com objetivos políticos e seletivos”. O MDB
foi contundente: “O partido lamenta a postura açodada da Justiça À revelia do
andamento de um inquérito em que foi demonstrado que não há irregularidades por
parte do ex-presidente da República, Michel Temer, e do ex-ministro Moreira
Franco”.
Lances de
espetáculo, durante as prisões, acabaram por provocar o sentimento de
estarrecimento geral. “Isso é uma barbaridade”, reagiu Temer no carro levado
pelos policiais federais. O ex-presidente estranhou ainda a presença de
jornalistas na porta da sua casa no momento da sua detenção. Marcela Temer
ficou em estado de choque. A prisão de Moreira Franco foi temperada com cenas
ainda mais midiáticas. Ele desembarcava no Aeroporto Tom Jobim, no Rio, e
estava sendo esperado pelos policiais. Saiu por uma porta diferente daquela em
que os policiais o esperavam e entrou em um automóvel. Os policiais, então,
requisitaram um taxi e saíram atrás dele como numa perseguição de filme de
Hollywood.

Na Câmara,
parlamentares disseram a ISTOÉ que a atitude da Lava Jato, da forma como
aconteceu, pode ter se dado em um “timing errado”. Além do recado ao STF,
interpreta-se que possa ter havido também uma retaliação ao presidente da
Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Maia resolveu segurar o plano anti-corrupção do
ministro da Justiça, Sérgio Moro. Ao ser cobrado por Moro, o parlamentar reagiu
de forma ríspida chamando-o de “funcionário do Bolsonaro” e dizendo que seu
pacote era um “copia e cola” da proposta enviada pelo hoje ministro do STF
Alexandre de Moraes quando era ministro da Justiça de Temer. Moreira Franco é
sogro de Rodrigo Maia.
“Integridade
física”
Nos autos, o juiz
Marcelo Bretas argumenta que a prisão preventiva de Temer e aliados foi
determinada para resguardar a integridade física dos acusados, necessidade de
assegurar a credibilidade das instituições públicas, “em especial o Poder
Judiciário, no sentido da adoção tempestiva de medidas adequadas, eficazes e
fundamentadas quanto à visibilidade e transparência da implementação de
políticas públicas de persecução criminal” e impedir o seguimento de ações
criminosas. A questão é que, em termos de exemplo, Bretas citou apenas um caso
ocorrido na Operação Patmos, em maio de 2017, quando os escritórios da
Argeplan, empresa citada no esquema, passavam por limpezas diárias pelos seus
funcionários, com, inclusive, o descarte de imagens internas da companhia.

Leonardo Wen/Folhapress
“Por sua posição
hierárquica é convincente a conclusão de que Temer é o líder da
organização criminosa há 40 anos e é o principal responsável pelos atos de
corrupção”, Marcelo Bretas, juiz federal
Prender um
ex-presidente da República é sempre um assunto delicado. Se, por um lado,
reforça a ideia de que a Justiça não escolhe partidos no combate à corrupção,
qualquer suspeita de atropelo das normas pode acabar gerando efeito contrário e
reforçando os argumentos de quem quer varrer tudo para debaixo do tapete. Todo
cuidado é sempre muito pouco para evitar que as conquistas dos últimos anos
escorram por água abaixo.Em um histórico rápido, a Lava Jato teve notórios
méritos e as prisões preventivas trouxeram elementos probatórios bem mais
substanciados. Um exemplo foi a detenção do ex-senador Delcídio do Amaral.
Quando ele foi preso em 2015, a Lava Jato possuía áudios e um verdadeiro plano
de fuga traçado para beneficiar o ex-diretor da área internacional da Petrobras
Nestor Cerveró. O ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, também foi alvo de
prisão preventiva, mas somente após operar dia após dia, na Casa, pela manutenção
de seu mandato, coagindo, publicamente, seus colegas parlamentares. Por isso,
no momento em que cometem abusos, juízes com pretensa capa de “heróis da nação”
contribuem decisivamente para macular a trajetória de uma operação
bem-sucedida. Jovens procuradores bradam, sempre em tons messiânicos, contra a
“falência do sistema político”. Ela é real. Obviamente, existe. Nada disso,
porém, pode atingir irreparavelmente as garantias constitucionais. Cabe, agora,
à população decidir, por intermédio dos instrumentos que fornece a democracia,
se, sob o pretexto de se combater a corrupção, o País deve ou não mergulhar em
um salve-se quem puder.
A falência do
sistema político é real, mas nada pode atingir as garantias constitucionais
Com bem disse
recentemente o sociólogo Demétrio Magnoli, a Lava Jato perecerá se não for
contido o espírito jacobino que anima uma parcela do Ministério Público.
Robespierre, líder dos Jacobinos na Revolução Francesa, eternizou-se na
História como algoz e vítima de um processo político que, iniciado por ele,
saiu de seu controle e acabou o consumindo. O que o exame desapaixonado dos
fatos recentes mostra é que os jacobinismos produzem desfechos conhecidos – em
geral, deletérios ao País. Que os operadores de nossas guilhotinas nunca se esqueçam
disso.
O
passado turbulento do “Gato Angorá”
Wellington Moreira
Franco (MDB-RJ) de 74 anos, é um político hábil que poderia ter recebido o
apelido de Raposa. Mas as maneiras refinadas e os bastos cabelos brancos que
lembram um gato inspiraram Leonel Brizola a apelidá-lo de “Gato Angorá” – o
mesmo codinome da lista de propinas da Odebrecht. Além de ser o último
governador fluminense vivo a ter sido preso, tem um passado de problemas na
política. Piauiense, começou a fazer política contra a ditadura. Ao assumir o
governo do Rio em 1987, envolveu-se com bicheiros e foi acusado de malversação
de verbas e manipulação de concorrência. Em 1995, tornou-se amigo de Michel
Temer. Foi ministro de Dilma Rousseff, mas, quando o governo dela começava a
ruir, colaborou para derrubá-la. Quando Temer assumiu a presidência, virou um
de seus aliados mais próximos. É genro de Rodrigo Maia.
A
diferença de Lula

Divulgação
A detenção do
ex-presidente Michel Temer não pode ser comparada à prisão do ex-presidente
Lula. Temer foi preso preventivamente num processo da Lava Jato do Rio de
Janeiro que está em curso, com a formação de provas ainda em andamento e sem
nenhuma condenação. Juristas consideram que houve flagrantes abusos, pois o
juiz Marcelo Bretas não diz, em seu despacho de prisão, se o ex-presidente
atrapalhava as investigações ou se continuava delinqüindo. No caso de Lula, o
petista foi preso depois de um longo processo criminal, com centenas de depoimentos,
delações de empreiteiros, provas que o apontavam como receptador de propinas da
OAS, em troca de obras na Petrobras, usadas na aquisição de um apartamento
tríplex no Guarujá. Lula foi condenado em primeira instância pelo juiz Sergio
Moro a 9 anos e seis meses de cadeia, cuja sentença foi revisada em segunda
instância pelo Tribunal Regional Federal, da 4ª Região, em Porto Alegre. A pena
aumentou para 12 anos e um mês, razão pela qual foi decretada a prisão, que ele
cumpre numa sala especial na PF de Curitiba, com várias regalias.
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